Um passeio pelo paraíso de arte
contemporânea
A
viagem já começa incrível. Em direção ao museu, no município de Brumadinho, localizado
na região metropolitana de Belo Horizonte, a estrada colore-se inteiramente de
ipês amarelos. As flores parecem brilhar, contra o céu azul e a mata verde.
Depois
dessa preparação, é hora de adentrar em um verdadeiro oásis. O Instituto Inhotim começou a ser idealizado pelo empresário Bernardo Paz em meados da
década de 1980. Em 1984, o local foi visitado pelo renomado paisagista Roberto
Burle Marx, que apresentou algumas sugestões e colaborações para os jardins.
Ao
longo do tempo, essa propriedade particular foi se transformando, fazendo
nascer um grande espaço cultural. Foi apenas em 2006 que o acervo cultural e
ambiental foi aberto ao público, com estrutura completa. Enormes galpões foram
construídos, abrigando obras de arte
contemporânea. Em Inhotim, tudo é
espetáculo: as obras, o acervo botânico, o cuidado com cada detalhe.
Nossas
escolhas
Um
dia é pouco para visitar Inhotim. É preciso fazer escolhas e visitar apenas
algumas instalações. De nada adianta correr e não aproveitar toda a fruição que
cada obra pode proporcionar. A ausência de um percurso linear preestabelecido
permite que o visitante crie sua própria experiência. São cerca de 70 obras em
exposição, que se dividem entre trabalhos permanentes e temporários, expostos
em quatro galerias. A proposta do museu compreende diferentes perspectivas de
exibição. Muitas obras estão expostas ao ar livre, integrando-se à paisagem. Outras
se encontram em espaços fechados, grandes pavilhões. A coexistência de espaços
abertos e fechados promove uma experiência singular de fruição da obra de arte.
No
Instituto é possível vivenciar exatamente os
efeitos que a arte contemporânea busca atingir: o deslocamento de sentidos e,
principalmente, de expectativas. O inesperado é fantástico. Cada experiência
que Inhotim proporciona é única e provoca todos os sentidos: visão, audição,
tato, olfato e paladar. Desde o contato
com a natureza até a participação das instalações artísticas. Às vezes você não
enxerga e deve se concentrar nos sons e confiar no tato. Em outros momentos
você observa uma cena projetada na parede e deve imaginar as conexões e
consequências daquele fragmento. Cada detalhe é cuidadosamente pensado. Não
escapa nem a luminária da lanchonete!
As
obras materializam questões abstratas de forma incrível. Para começar, basta
citar a instalação de Cido Meireles, chamada “Através”. Com a utilização de
materiais cotidianos, o artista propõe uma análise mais profunda. Através da
disposição de objetos comumente utilizados para criar barreiras – como cercas
de madeira, arames farpados, cortinas, vidros – em torno de outro objeto
central, o artista busca uma reflexão sobre a nossa maneira de perceber o mundo
e os diversos empecilhos e limitações que nós mesmos criamos, impedindo a visão
clara e simples. Bela metáfora =]
"Através", de Cido Meireles |
Continuando
a falar de Cido Meireles, outra obra sua em exposição é “Desvio para o vermelhoI: Impregnação, II: Entorno, III: Desvio”. Este é um de seus trabalhos mais
complexos e ambiciosos – concebido em 1967, montado em diferentes versões desde
1984 e exibido em Inhotim em caráter permanente desde 2006. Trata-se de uma
obra dividida em três diferentes “espaços”: no primeiro (Impregnação) nos
deparamos com um cômodo ocupado por uma coleção monocromática de objetos
vermelhos – bonita, mas exaustiva. Nos ambientes seguintes, uma série de
simbolismos e metáforas. Um espaço completamente escuro, ocupado apenas por uma
pia, da qual jorra um líquido vermelho. O que interessa ao artista nesta obra é
oferecer uma sequência de impactos sensoriais e psicológicos ao espectador.
"Desvio para o vermelho", de Cido Meireles |
Outra
instalação que dentre tantas merece destaque (numa seleção completamente
subjetiva, gente!) foi o "Sonic Pavilion". Com acesso por uma trilha isolada, no
alto de um morro, a instalação consiste em uma construção de vidro dentro da
qual o espectador ouve a transmissão contínua de sons emitidos há centenas de
metros no interior da Terra e captados por microfones geológicos. A arquitetura
se funde a uma obra de arte invisível que está sempre em transformação. A vontade é de ficar ali por um longo tempo,
deitada, sentindo a vibração do som e percebendo uma paz inexplicável.
"Sonic Pavilion" |
Dentre
as exposições temporárias, cabe destacar a “Forty Part Motet”, de Janet Cardiff.
Em um grande galpão, totalmente recoberto por material que proporciona um
isolamento acústico, diversas caixas de som são espalhadas. O visitante, então,
é convidado a sentar-se. De cada caixa
de som ouve-se uma voz diferente. O que se escuta é o moteto (um tipo de
composição polifônica medieval) para oito coros e cinco vozes, composto por
Thomas Tallis, compositor inglês do século XVI. A composição trata de humildade
e transcendência, dois temas importantes em uma época em que a fé católica era
reprimida pelo Estado soberano da Inglaterra. O incrível é que a artista usa um
alto-falante para cada voz, permitindo ao espectador ouvir as diferentes vozes
e perceber as diferentes combinações e harmonias à medida que percorre a
instalação. Olhos fechados te
transportam, sem dúvida, para outro mundo.
"Forty Part Motet" |
Tantas
outras obras espalhadas por esse “oásis artístico” são incríveis e merecem ser
visitadas várias vezes. A cada contato, novas associações, sentimentos e
possibilidades. Contar aqui pra vocês é bom para despertar a curiosidade, mas
essas palavras e imagens não dão conta de transmitir o impacto de vivenciar
cada uma dessas obras. Inhotim é pra
ficar sempre com vontade uma próxima vez!
"Narcissus Garden", de Yayoi Kusama |
"Passarinhos", de Adriana Varejão |
"Troca-Troca", de Jarbas Lopes |
Sempre fica uma parte da gente em Inhotim hehe! "De Lama Lâmina", de Matthew Barney |
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